Santo do Dia

Santas Perpétua e Felicidade: fé inabalável no martírio

O início do século III foi um período de intensa perseguição aos cristãos no Império Romano. Sob o governo do imperador Lúcio Séptimo Severo (193–211 d.C.), foram promulgados decretos que proibiam conversões ao cristianismo e ao judaísmo, punindo severamente aqueles que persistiam em sua . Entre as vítimas dessa repressão estavam Perpétua e Felicidade, duas mulheres que, em 203 d.C., na cidade de Cartago (atual Túnis, na Tunísia), enfrentaram o martírio com coragem, tornando-se símbolos de devoção cristã.

Perpétua e Felicidade: quem eram?

Entre os mártires daquele ano, destaca-se Víbia Perpétua, uma jovem de aproximadamente 22 anos, oriunda de uma família nobre e abastada. Seu pai, porém, era pagão e, ao que tudo indica, se opôs à decisão da filha de abraçar o cristianismo. Perpétua era mãe de um bebê de poucos meses quando foi presa, tornando sua experiência no cárcere ainda mais dolorosa.

Felicidade, por sua vez, era escrava de Perpétua e também cristã. No momento da prisão, encontrava-se no oitavo mês de gestação. Seu sofrimento era duplo: além das condições brutais do cativeiro, temia que, por estar grávida, não pudesse ser executada ao lado de seus companheiros, pois a lei romana proibia a execução de mulheres grávidas. No entanto, poucos dias antes da data marcada para sua execução, Felicidade entrou em trabalho de parto e deu à luz uma menina, que foi entregue a uma comunidade cristã para ser criada.

O cárcere: sofrimento e resistência

O relato do martírio de Perpétua e Felicidade nos chegou através de um documento único: A Paixão de Perpétua e Felicidade (Passio sanctarum Perpetuae et Felicitatis), um dos mais antigos textos cristãos já encontrados. Nele, encontramos trechos escritos pela própria Perpétua, que narrou, em primeira pessoa, sua experiência na prisão. Em suas palavras:

“Nos jogaram no cárcere e eu fiquei consternada, porque nunca tinha estado em um lugar tão escuro. O calor era insuportável e éramos muitas pessoas em um subterrâneo muito estreito. Parecia que ia morrer de calor e de asfixia, e sofria por não poder ter, junto a mim, o meu filho, que era de tão poucos meses e necessitava muito de mim. O que eu mais pedia a Deus era a graça para ser capaz de sofrer e lutar por nossa santa religião.”

Essa passagem revela não apenas o sofrimento físico e emocional da jovem mãe separada de seu bebê, mas também a profunda espiritualidade que a sustentava. Durante seu período no cárcere, Perpétua teve visões místicas que fortaleceram sua convicção de que o martírio era seu caminho para a glória celestial. Em uma de suas visões mais conhecidas, ela via uma escada de bronze que levava ao céu, rodeada de armas afiadas e guardada por um dragão. Com a ajuda de Cristo, conseguia subir a escada, um símbolo claro de sua vitória sobre o sofrimento e a morte.

O martírio: coragem diante da arena

No dia marcado para sua execução, Perpétua, Felicidade e seus companheiros foram levados ao anfiteatro de Cartago, onde enfrentam sua última prova de fé. Como era costume, os condenados foram expostos ao escárnio da multidão e lançados às feras. No caso das mulheres, foram destinadas a enfrentar touros e vacas selvagens, que as feriram gravemente.

Perpétua foi lançada ao ar e caiu ao solo, atordoada. Felicidade, igualmente golpeada pelos animais, levantou-se e ajudou sua senhora a se reerguer. O gesto das duas simboliza a fraternidade cristã que transcende barreiras sociais – uma nobre e uma escrava, unidas pelo mesmo destino, sustentando uma à outra em sua última caminhada.

A morte, porém, não veio imediatamente pelos chifres das feras. Os sobreviventes foram então conduzidos para a execução final. Felicidade foi a primeira a ser degolada. Perpétua, ao ver a hesitação do soldado responsável por sua execução, tomou ela mesma sua mão e guiou a lâmina até seu pescoço. Esse gesto de controle sobre sua própria morte foi interpretado por muitos cristãos como um sinal de que seu martírio não era um castigo, mas sim um sacrifício voluntário em nome da fé.

O legado das mártires

As histórias de Perpétua e Felicidade foram transmitidas ao longo dos séculos como exemplos da força da fé cristã e do poder do testemunho feminino. Elas são algumas das poucas mártires das quais possuímos relatos diretos, especialmente no caso de Perpétua, cujo diário pessoal sobreviveu e se tornou um dos primeiros registros autobiográficos da literatura cristã.

Na Igreja Católica, Santas Perpétua e Felicidade são veneradas especialmente como protetoras das mulheres grávidas e parturientes, devido à história de Felicidade, que deu à luz pouco antes do martírio. Seu culto se espalhou rapidamente pelo mundo cristão, e seus nomes foram incluídos na Oração Eucarística I do Missal Romano, um indicativo da relevância que tiveram para a Igreja primitiva.

Reflexão final

A vida e o martírio de Perpétua e Felicidade nos lembram do alto preço que muitos pagaram pela liberdade religiosa e pela fidelidade à própria fé. Suas palavras e seu exemplo continuam a inspirar cristãos ao redor do mundo, séculos depois de seu sacrifício. Em tempos de desafios e incertezas, a coragem dessas mulheres ecoa como um chamado à perseverança e à convicção inabalável.

Oração

“Deus Todo-poderoso, que destes às mártires Santas Perpétua e Felicidade a graça de sofrer pelo Cristo, ajudai também a nossa fraqueza, para que possamos viver firmes em nossa fé, como elas não hesitaram em morrer por Vosso amor. Nosso Senhor Jesus Cristo, Vosso filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!”

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