São João Clímaco nasceu na Síria por volta do ano 579. Desde tenra idade, demonstrou inteligência aguçada e uma inclinação natural para o estudo e a contemplação. Sua formação cristã e literária foi aprimorada em um ambiente nobre e privilegiado, mas, ao contrário do que se esperava de um jovem de sua posição, João sentia-se atraído pela simplicidade e pelo recolhimento espiritual. Aos 16 anos, movido por um chamado interior irrefutável, optou pela vida monástica eremítica, renunciando aos bens materiais e ao prestígio social que sua linhagem poderia lhe proporcionar.
A busca pelo Monte Sinai
Determinando-se a viver segundo os ideais da renúncia e da oração, João dirigiu-se ao Monte Sinai, região que, desde o século IV, abrigava mosteiros fervilhantes de vida espiritual. Entre eles, destacava-se um dos mais antigos e prestigiados centros monásticos da cristandade oriental, o Mosteiro de Santa Catarina, que se tornaria o coração pulsante da tradição sinaítica.
No Monte Sinai, João tornou-se discípulo do ancião Ruthi, um mestre espiritual amplamente respeitado pela comunidade monástica. Sob sua orientação, destacou-se pela dedicação extrema à oração, ao jejum, à penitência e ao trabalho manual, elementos fundamentais para a espiritualidade monástica do Oriente. Seu compromisso com a vida ascética não se limitava à mortificação do corpo, mas incluía também o aperfeiçoamento da alma por meio do estudo das Escrituras e dos escritos dos Padres do Deserto.
Vida monástica e reclusão
João levava sua vocação com notável seriedade. Durante décadas, permaneceu fiel a um regime de vida austero, limitando ao mínimo suas interações com os demais monges. Sua reclusão, no entanto, não era sinal de isolamento egoísta, mas sim um meio para atingir maior união com Deus. Ele só deixava seu retiro para buscar alimento ou para participar das orações e celebrações comunitárias aos finais de semana.
A tradição monástica do Monte Sinai, inspirada pelos ensinamentos dos Padres do Deserto, via na solidão um caminho para a santidade. O eremitismo, longe de ser um mero afastamento do mundo, era compreendido como uma imersão na presença divina. João Clímaco incorporou esse ideal com tamanha intensidade que sua fama atravessou os muros do mosteiro e chegou até o povo, que começou a procurá-lo em busca de orientação espiritual.
A tradição monástica no Monte Sinai
O contexto histórico no qual João Clímaco viveu foi marcado pela consolidação do cristianismo como religião dominante do Império Bizantino. Desde a conversão de Constantino no século IV, a perseguição aos cristãos havia cessado, e o monaquismo se espalhara amplamente, tornando-se um dos pilares da religiosidade oriental.
O Monte Sinai, por sua vez, possuía um simbolismo teológico profundo, pois foi ali que, segundo a tradição bíblica, Deus revelou a Moisés os Dez Mandamentos. O local, portanto, era considerado um espaço sagrado, onde a experiência mística poderia alcançar sua plenitude. Foi nesse ambiente que João Clímaco se tornou um dos maiores representantes da espiritualidade cristã.
A notoriedade do mestre escondido
Embora buscasse o anonimato e a contemplação silenciosa, João Clímaco tornou-se amplamente conhecido. A frase evangélica “Não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo da mesa” (Mt 5,15) pode ser aplicada à sua trajetória. Sua santidade e sabedoria atraíram tanto monges quanto leigos, que atravessavam o deserto para ouvi-lo. Com o tempo, tornou-se uma referência espiritual incontornável.
Aos 60 anos, foi eleito abade geral do Monte Sinai, liderando a comunidade monástica com discernimento e humildade. Seu governo, embora breve, foi marcado pela renovação do fervor espiritual e pela consolidação da disciplina monástica.
A “Escada do Paraíso”: O legado de São João Clímaco
Entre os escritos de João Clímaco, apenas uma obra sobreviveu integralmente: a célebre Escada do Paraíso (Κλίμαξ τοῦ Παραδείσου), um tratado espiritual que se tornaria uma referência fundamental para a tradição monástica cristã. Foi essa obra que lhe conferiu o epíteto “Clímaco”, derivado da palavra grega klimax, que significa “escada”.
Na Escada do Paraíso, João propõe um itinerário espiritual estruturado em trinta degraus, cada um representando uma virtude ou um estágio no progresso rumo à perfeição cristã. A metáfora da escada evoca a visão de Jacó (Gn 28,12), na qual anjos subiam e desciam entre o céu e a terra. Para João, a ascese cristã é um movimento progressivo, em que o monge – e, por extensão, todo cristão – deve superar gradualmente as paixões e os vícios até alcançar a união plena com Deus.
Os trinta degraus podem ser agrupados em três grandes seções:
- Renúncia ao mundo – nos primeiros degraus, João enfatiza a necessidade do desapego dos bens materiais e das ambições terrenas.
- Combate espiritual – a parte central da obra trata da luta contra as paixões e das virtudes necessárias para vencê-las, como humildade, mansidão e pureza.
- Unidade com Deus – os degraus finais abordam a transfiguração da alma, a oração incessante e o amor perfeito.
A influência da Escada do Paraíso foi imensa, especialmente na espiritualidade bizantina e na tradição hesicasta. Sua leitura tornou-se obrigatória nos mosteiros orientais, e sua doutrina influenciou místicos e teólogos por séculos.
Morte e veneração
São João Clímaco faleceu em 30 de março de 649, sendo imediatamente venerado tanto no Oriente quanto no Ocidente. Sua festa litúrgica é celebrada no dia de sua morte, considerada sua “entrada no paraíso”. No cristianismo oriental, a quarta semana da Quaresma é tradicionalmente dedicada à leitura da Escada do Paraíso, como forma de reforçar a importância da ascese no caminho da santidade.
São João Clímaco é um dos grandes mestres espirituais da tradição cristã, cujo legado transcende séculos. Sua vida de ascese extrema, sua liderança monástica e sua obra-prima, a Escada do Paraíso, continuam a inspirar monges e fiéis em sua busca por Deus. No mundo contemporâneo, onde a contemplação é frequentemente sacrificada em nome da produtividade e do entretenimento, a mensagem de João Clímaco ressoa como um chamado ao silêncio, à oração e à interiorização.