Santo do Dia

São Marcos Evangelista: Vida, Missão e Legado

São Marcos Evangelista é uma figura de profunda relevância na tradição cristã primitiva. Embora seu nome nem sempre seja o primeiro a ser lembrado entre os grandes protagonistas do Novo Testamento, sua contribuição para a propagação da fé cristã é inegável. Autor do mais antigo dos quatro evangelhos, discípulo fiel de Pedro e colaborador próximo de Paulo, Marcos é um elo precioso entre o Cristo histórico e o Cristo proclamado pela Igreja nascente.

Origens e contexto familiar

De acordo com o livro dos Atos dos Apóstolos, Marcos era conhecido também como João Marcos (cf. At 12,12). Proveniente de uma família judaica de Jerusalém, era filho de Maria — não a Mãe de Jesus, mas uma mulher possivelmente viúva, de boa posição social, cuja casa serviu como ponto de encontro dos primeiros cristãos. A residência de Maria, mãe de Marcos, tornou-se, segundo a tradição, um dos primeiros locais de culto cristão em Jerusalém.

A conjectura de alguns biblistas sobre essa casa ser o local da Última Ceia revela o grau de intimidade entre a família de Marcos e os círculos próximos de Jesus. Embora essas afirmações não possam ser confirmadas com precisão histórica, são hipóteses relevantes, com base na leitura atenta dos evangelhos e dos atos.

Um jovem próximo de Jesus

Marcos não figurava entre os Doze Apóstolos, mas diversos estudiosos acreditam que ele tenha conhecido Jesus pessoalmente. Uma das passagens mais curiosas do Evangelho de Marcos pode conter uma autorreferência: “Seguia-o um jovem envolto apenas num lençol. Agarraram-no, mas ele, largando o lençol, fugiu nu” (Mc 14,51-52). Muitos exegéticos interpretam essa passagem como um discreto indício da própria presença de Marcos no Getsêmani, durante a prisão de Jesus.

Companheiro dos apóstolos

A importância de Marcos se consolida após a ressurreição. Ele é primo de Barnabé (cf. Cl 4,10), missionário que, ao lado de Paulo, desempenhou papel fundamental na expansão do cristianismo. Marcos acompanhou os dois em sua primeira viagem missionária (At 13,5), embora tenha se separado deles durante a jornada, fato que gerou certa tensão com Paulo (At 15,38). Com o tempo, no entanto, Marcos e Paulo se reconciliaram. O apóstolo das nações o menciona com carinho em suas cartas finais (cf. 2Tm 4,11), reconhecendo seu valor no ministério.

Discípulo de Pedro e autor do primeiro evangelho

O vínculo mais decisivo na trajetória de Marcos foi com São Pedro, o primeiro entre os apóstolos. Segundo a Primeira Carta de Pedro, escrita de Roma, o apóstolo o chama de “meu filho” (1Pd 5,13), sugerindo uma relação de profunda proximidade espiritual. Muitos estudiosos — inclusive Padres da Igreja como Papias de Hierápolis (citado por Eusébio de Cesareia em História Eclesiástica, III, 39) — sustentam que Marcos atuou como intérprete e secretário de Pedro, compilando suas pregações e memórias sobre a vida e os ensinamentos de Jesus.

É desse esforço conjunto que nasceu o Evangelho segundo Marcos, considerado por amplos setores da crítica como o primeiro evangelho a ser redigido, provavelmente entre os anos 65 e 70 d.C., em Roma. Apesar de ser o mais curto dos quatro evangelhos, seu estilo direto e urgente, com destaque para a paixão, morte e ressurreição de Jesus, oferece uma cristologia robusta e dinâmica, que serviu de base para os evangelhos de Mateus e Lucas.

Evangelizador do Egito e mártir da fé

Após os martírios de Pedro e Paulo, Marcos partiu para Alexandria, no Egito, então um dos maiores centros culturais e religiosos do mundo antigo. Lá, fundou uma comunidade cristã florescente e tornou-se o primeiro bispo de Alexandria. Sua atuação foi decisiva para a disseminação da cristã no norte da África, e sua influência foi tamanha que a Igreja Copta Ortodoxa o reconhece como seu fundador.

Marcos foi martirizado em Alexandria, provavelmente entre os anos 68 e 72. A tradição narra que ele foi arrastado pelas ruas da cidade até a morte, por proclamar o nome de Cristo. Suas relíquias foram transportadas para Veneza em 825, onde permanecem até hoje, na Basílica de São Marcos, símbolo da fé e da identidade veneziana.

Padroeiro de Veneza e símbolo da evangelização

Veneza o adotou como seu padroeiro e símbolo máximo. O leão alado, que tradicionalmente o representa, tornou-se o emblema da Sereníssima República de Veneza. Esse símbolo, retirado de uma visão descrita no livro de Ezequiel (Ez 1,10) e retomado no Apocalipse (Ap 4,7), representa a força e majestade do Evangelho proclamado com coragem.

Ao longo dos séculos, São Marcos tornou-se modelo de evangelizador: alguém que, mesmo sem fazer parte do círculo íntimo dos Doze, desempenhou um papel insubstituível na transmissão da mensagem cristã. Sua vida nos inspira a reconhecer que o anúncio da Boa Nova ultrapassa títulos ou posições formais — é missão confiada a todos os batizados.

Oração e inspiração para hoje

Em tempos de desafios para a fé cristã, o exemplo de Marcos nos convida a um discipulado maduro e responsável. Como redator das palavras de Pedro e testemunha indireta da vida de Jesus, Marcos nos ensina que a fidelidade ao Evangelho passa pela escuta, pelo serviço e pelo compromisso com a verdade.

“Que, a exemplo de São Marcos, sejamos fiéis, amigos e companheiros uns dos outros no serviço da evangelização, levando com coragem a Palavra de Deus ao mundo inteiro, despertando nos corações o desejo de conhecer quem é Jesus Cristo.”

 

São Marcos Evangelista, rogai por nós!

Referências bibliográficas

  • Brown, Raymond E. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2004.
  • Dunn, James D. G. Jesus Remembered. Grand Rapids: Eerdmans, 2003.
  • González, Justo L. A Era dos Mártires. São Paulo: Vida Nova, 2010.
  • Meier, John P. Um Judeu Marginal: Rethinking the Historical Jesus. São Paulo: Loyola, 2001.

Eusébio de Cesareia. História Eclesiástica. Porto: Paulus, 2005.

Deixe um comentário