Santo do Dia

Beato Estêvão Grelewski: Fé, Martírio e Testemunho

A história da Igreja no século XX é atravessada por momentos de intensa dor e incomparável heroísmo. Poucos personagens sintetizam tão bem essas dimensões quanto o Beato Estêvão Grelewski, sacerdote polonês cuja vida foi marcada por um zelo pastoral extraordinário, uma firmeza doutrinal inabalável e, por fim, por um martírio que o consagrou como testemunha da diante das trevas do totalitarismo.

Origens e formação

Nascido em 1899 na pequena comuna de Dwikozy, situada no centro-sul da Polônia, Estêvão Grelewski cresceu em um ambiente marcado pela forte religiosidade popular e pelo espírito de resistência cultural e espiritual que caracterizava a sociedade polonesa sob domínios estrangeiros. A Polônia, que havia sofrido sucessivas partições nos séculos anteriores, renascia como nação independente no final da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Neste contexto de reconstrução nacional, a vocação sacerdotal de Estêvão se revela como sinal de esperança e fidelidade às raízes cristãs do seu povo.

Foi ordenado sacerdote em 1921, ainda jovem, aos 22 anos. Imediatamente após sua ordenação, demonstrou grande inclinação pelo estudo e aprofundamento teológico, o que o levou à Universidade de Estrasburgo, na França. Lá, obteve o doutorado em Direito Canônico em 1924 — um feito notável para um jovem padre vindo do interior da Polônia. Sua formação acadêmica no contexto francês, especialmente num momento de tensões ideológicas entre laicismo e tradição cristã, moldou profundamente sua visão eclesial e sua postura pastoral.

Um zelo apostólico em terras estrangeiras

Durante sua permanência na França, o jovem Pe. Estêvão não se limitou à vida acadêmica. Movido por um intenso zelo pastoral, passou a trabalhar diretamente com comunidades de imigrantes poloneses, que enfrentavam dificuldades de integração cultural e espiritual em terras estrangeiras. Sua atuação junto a essas comunidades revela não apenas seu compromisso com os pobres e deslocados, mas também sua sensibilidade e capacidade de adaptar a ação evangelizadora às realidades concretas da vida do povo.

Esse ministério junto aos imigrantes antecipava, de certa forma, uma eclesiologia voltada para as periferias — um aspecto cada vez mais valorizado nos debates contemporâneos após o Concílio Vaticano II e intensamente promovido pelo pontificado do Papa Francisco.

Regresso à Polônia e influência intelectual

Ao retornar à Polônia, Pe. Estêvão intensificou sua atuação no campo intelectual e pastoral. Tornou-se secretário-geral da Ação Católica Operária em Radom, demonstrando seu engajamento com a dimensão social do Evangelho. Era um tempo em que a Igreja buscava responder, de forma cada vez mais articulada, aos desafios impostos pelas ideologias materialistas e pelos novos movimentos operários, frequentemente marcados por influências marxistas.

Além disso, Pe. Estêvão atuou intensamente na imprensa católica, colaborando com veículos como Correio de Varsóvia, A Voz do Povo e outros jornais religiosos. Nesses espaços, oferecia reflexões teológicas, artigos de formação doutrinária e defesas apaixonadas da fé católica. Com clareza e firmeza, respondia a críticas contra a Igreja e combatia a difusão de seitas protestantes na região, as quais ganhavam espaço, especialmente entre os mais pobres.

Sua escrita era marcada por uma profunda coerência entre fé e razão, algo que ressoa com os ensinamentos de São João Paulo II em sua encíclica Fides et Ratio (1998), onde se afirma que “fé e razão são como duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.

Perseguição e martírio

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939 e a subsequente ocupação da Polônia pelas forças nazistas, iniciou-se um dos períodos mais sombrios da história da humanidade. A Igreja Católica foi duramente perseguida: sacerdotes foram presos, torturados e mortos; igrejas foram saqueadas; e comunidades cristãs, dispersas ou silenciadas.

Foi nesse contexto que, em 1941, Pe. Estêvão Grelewski foi preso juntamente com seu irmão, o Abade Casimiro Grelewski. Ambos foram enviados para o campo de concentração de Dachau, na Alemanha — local que ficou tristemente famoso por ter sido um dos principais campos de extermínio de sacerdotes católicos. Dos mais de 2.700 clérigos enviados a Dachau, cerca de 1.800 eram poloneses. A brutalidade a que foram submetidos incluía fome, trabalho forçado, tortura e experiências médicas desumanas.

Pe. Estêvão suportou essas provações com uma fé heroica, testemunhada por colegas de prisão. Morreu de fome, exaurido, porém sem jamais renunciar à sua identidade sacerdotal ou trair a sua fé. Seu corpo jamais foi recuperado, mas sua memória permaneceu viva nos testemunhos dos sobreviventes e na consciência da Igreja polonesa.

Beatificação e legado espiritual

Em 13 de junho de 1999, o Papa João Paulo II — ele próprio polonês e profundamente marcado pelas tragédias da guerra — beatificou Estêvão Grelewski e seu irmão Casimiro, juntamente com outros 106 mártires da Segunda Guerra Mundial. A cerimônia, realizada em Varsóvia, foi um dos momentos mais simbólicos da reconciliação entre fé e história, e uma homenagem à resistência cristã diante das ideologias de morte que marcaram o século XX.

A figura de Estêvão Grelewski representa, portanto, não apenas um modelo de virtude sacerdotal, mas também um exemplo de engajamento cultural, zelo apostólico e fidelidade inquebrantável diante da perseguição. Seu testemunho continua a inspirar cristãos ao redor do mundo, especialmente aqueles que enfrentam contextos de intolerância religiosa ou são chamados a viver sua fé em ambientes hostis.

Uma oração à luz do martírio

No espírito da tradição católica de veneração aos mártires e beatos, muitos fiéis rezam com devoção pedindo a intercessão do Beato Estêvão. A oração a seguir, simples e profunda, reflete essa piedade:

“Amado Jesus, vós que derramaste sobre a vida do Beato Estêvão Grelewski graças incontáveis, dai-me a graça de ser fiel a Ti, servindo-te e amando-te de todo coração, amparado por teu auxílio e tua misericórdia. Amém.

Beato Estêvão Grelewski, rogai por nós!”

A memória dos mártires do século XX, como nos lembra o historiador Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, é “o coração palpitante de uma Igreja que não renunciou a Cristo mesmo diante das trevas”. Estêvão Grelewski está entre esses nomes que não podem ser esquecidos. Sua vida, marcada pela inteligência, compaixão, coragem e santidade, permanece como uma luz no caminho da Igreja contemporânea.

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