A figura de Maria, Mãe de Jesus, ocupa um lugar singular e insubstituível na história da salvação cristã. Ela não apenas disse “sim” a Deus, mas fez de sua vida um contínuo êxodo rumo ao outro. Um desses momentos emblemáticos é narrado no Evangelho segundo São Lucas (Lc 1,39-56), quando Maria, após o anúncio do Anjo Gabriel, põe-se apressadamente a caminho das montanhas da Judeia para visitar sua parenta Isabel. Não se trata apenas de um gesto de caridade familiar, mas da expressão encarnada de uma espiritualidade madura, de uma fé que se move, que se compromete e que se torna anúncio.
Esse episódio é conhecido como “a Visitação”, uma das festas marianas mais significativas do calendário litúrgico, celebrada em 31 de maio. Nela se revela o mistério da fé operante, a vocação missionária da Mãe de Deus e a manifestação da alegria messiânica. O gesto de Maria, aparentemente simples, revela uma teologia profunda, marcada pela escuta da Palavra, pela disponibilidade à vontade divina e pela solidariedade concreta.
O chamado de Deus e a resposta de Maria
Antes de visitar Isabel, Maria é visitada pelo Arcanjo Gabriel. Trata-se de um momento culminante da história bíblica: o Verbo eterno deseja entrar no tempo, e para isso precisa do consentimento livre de uma jovem mulher. O Anjo traz uma proposta: Deus quer fazer morada no ventre de Maria. E ela, em um dos mais belos atos de liberdade da história humana, responde com um “faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).
Essa aceitação não é apenas um sim ao projeto divino. É um sim ao próprio Cristo, um sim que ecoa por toda a Igreja como modelo de discipulado. A partir desse momento, Maria se torna não apenas a mãe biológica de Jesus, mas, como nos lembrará Santo Agostinho, a primeira discípula da Palavra que se fez carne.
A fé que se move: Maria parte às pressas
A narrativa de Lucas é clara: “Naqueles dias, Maria partiu apressadamente para a região montanhosa, a uma cidade da Judeia” (Lc 1,39). A pressa de Maria não é impaciência; é zelo, é amor. Ela acaba de receber a notícia de que sua parenta Isabel, já idosa, está grávida. Maria poderia ter permanecido em casa, mergulhada em seus próprios mistérios e inquietações. No entanto, a fé que se aloja em seu coração não a paralisa, mas a move.
Aqui encontramos uma chave importante da espiritualidade mariana: o dinamismo da fé. A verdadeira experiência de Deus jamais nos fecha em nós mesmos. Ao contrário, ela nos impele a sair de nós, a ir ao encontro do outro, sobretudo daqueles que mais necessitam. Como escreveu o Papa Francisco na Evangelii Gaudium: “Maria soube transformar uma gruta de animais na casa de Jesus, com pobres paninhos e uma montanha de ternura” (EG, 286).
O encontro das promessas: João e Jesus
Quando Maria chega à casa de Zacarias e Isabel, ocorre uma cena profundamente teológica. Ao ouvir a saudação de Maria, Isabel é cheia do Espírito Santo e exulta em louvor: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1,42). Ao mesmo tempo, o bebê no ventre de Isabel — João Batista — estremece de alegria.
Esse estremecimento não é mero detalhe narrativo: é a primeira manifestação profética de João, ainda no ventre. Assim como o rei Davi dançou diante da Arca da Aliança (2Sm 6,12-16), agora João salta diante da nova Arca, que é Maria, portadora do Verbo encarnado. A Visitação é, portanto, a celebração do encontro entre o precursor e o Messias, ambos ainda não nascidos, mas já ativos no mistério do Reino.
O cântico da esperança: o Magnificat
Diante da saudação de Isabel, Maria entoa o Magnificat (Lc 1,46-55), um dos hinos mais sublimes das Escrituras. Trata-se de um canto profundamente enraizado na tradição bíblica, que retoma temas dos Salmos e da oração de Ana (cf. 1Sm 2,1-10). Nele, Maria exalta a misericórdia de Deus, sua fidelidade à Aliança e sua opção pelos humildes.
O Magnificat é também um protesto profético contra toda forma de opressão. “Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes” (Lc 1,52). Ao cantar essas palavras, Maria se insere na longa linhagem de profetas que denunciaram a injustiça e anunciaram um mundo novo, onde o amor prevalece sobre o poder.
É por isso que Maria, embora se reconheça “pequena serva”, é proclamada “bem-aventurada por todas as gerações” (Lc 1,48). Sua fé operante, sua humildade e sua coragem a tornam modelo da Igreja que caminha na história.
Teologia da visitação: fé encarnada em caridade
A espiritualidade da Visitação nos lembra que a fé cristã não é uma ideia abstrata ou uma devoção sentimental. Ela é, acima de tudo, um gesto concreto de amor. Maria, ao visitar Isabel, ensina-nos que quem acolhe Jesus não pode fechar-se aos outros. O verdadeiro discípulo é aquele que se doa, que serve, que visita.
Esse gesto de Maria se reveste de ainda mais profundidade quando consideramos que ela percorre cerca de 100 km a pé, em terreno montanhoso, provavelmente com pouca segurança. Não foi um gesto cômodo, mas sim uma peregrinação do amor. Como bem afirmou São João Paulo II na Redemptoris Mater, Maria “precede” a Igreja no caminho da fé, “e coopera com sua caridade materna para o nascimento dos fiéis na Igreja” (RM, 44).
Uma espiritualidade para hoje
Na era do individualismo, do fechamento em bolhas digitais e do esquecimento do outro, o gesto de Maria soa como um chamado à conversão. A pergunta que ecoa dessa passagem bíblica é: quem precisa de mim? Quem está precisando da minha visita, do meu olhar, da minha presença?
Maria nos ensina que a fé não se limita ao culto, mas transborda em missão. Cada cristão é chamado a ser presença viva do amor de Deus na vida dos outros, sobretudo dos mais frágeis. A visitação é a pedagogia de uma Igreja em saída, que se move, que se compadece e que exulta com os pequenos milagres do cotidiano.
Diante de tudo isso, elevemos também a nossa oração:
“Virgem Maria, Mãe da visitação, ensina-nos a sair de nós mesmos e ir ao encontro de quem mais precisa. Dá-nos um coração sensível, atento ao sofrimento dos nossos irmãos, e torna-nos missionários da esperança e da ternura. Que, como Tu, saibamos levar a Palavra de Deus não apenas nos lábios, mas nas mãos, nos pés, no coração. Amém.”
Que essa festa da Visitação nos inspire a viver uma fé que se expressa em caridade, uma espiritualidade que se traduz em gestos concretos de amor.