Ao longo do século XX, a Igreja foi marcada por testemunhos heroicos de fé, principalmente em contextos de opressão política e perseguição religiosa. Um desses testemunhos luminosos, embora menos conhecido fora da Hungria, é o do Beato Estêvão Sandór, salesiano irmão que, à semelhança dos primeiros mártires, preferiu a morte à renúncia de sua fé e de seu apostolado juvenil. A sua história, impregnada de ternura, coragem e fidelidade, é um convite não apenas à veneração, mas também à imitação em tempos onde a liberdade religiosa segue ameaçada em diversos contextos.
As raízes da fé: uma infância marcada pelo exemplo
Nascido em 26 de novembro de 1914, na cidade de Szolnok, Hungria, Estêvão Sandór veio ao mundo em um lar modesto, sendo o primogênito de três filhos. Seu pai, também chamado Estêvão, trabalhava como ferroviário, e sua mãe, Maria Fekete, dedicava-se ao cuidado do lar. Desde cedo, a piedade doméstica permeava o cotidiano familiar. Aquela religiosidade simples, mas profundamente enraizada na tradição católica centro-europeia, moldou o coração do jovem Estêvão.
Mesmo em meio às transformações políticas da Europa Central do pós-Primeira Guerra Mundial, o pequeno Sandór destacou-se pelo seu comportamento cortês, pela alegria constante e pela dedicação aos estudos e à oração. Segundo relatos de seus contemporâneos, ele era um verdadeiro ponto de referência para seus irmãos e colegas, não por imposição, mas por atração de sua doçura e generosidade.
O chamado salesiano: uma vocação entre os jovens
Não é surpresa que um jovem tão entregue à oração e ao serviço tenha se encantado com a figura de São João Bosco. Ao ler um boletim salesiano, Estêvão encontrou uma inspiração que unia espiritualidade, educação e juventude – três elementos que já pulsavam em seu coração. Essa descoberta foi o prenúncio de sua consagração futura.
Depois de uma conversa com seu diretor espiritual e, após alguma insistência piedosa junto a seus pais, ingressou na casa salesiana de Budapeste em 1936. Ali, iniciou os estudos técnicos na Escola de Artes Gráficas de Dom Bosco, conciliando a formação profissional com a vivência comunitária e espiritual própria do carisma salesiano. Mas a formação foi interrompida por um chamado externo: a convocação ao serviço militar, então inevitável diante das tensões crescentes que prenunciavam a Segunda Guerra Mundial.
Fé nas trincheiras: um oratório entre os escombros
Ainda que afastado da vida religiosa institucional, Estêvão nunca se distanciou do espírito de Dom Bosco. Durante sua permanência nas fileiras militares, transformou as trincheiras em lugar de oração e de alegria juvenil. Seu testemunho ali foi tão impactante que, em 1942, recebeu uma Medalha de Prata de valor militar — não por feitos bélicos, mas por sua capacidade de manter a esperança viva entre os soldados, promovendo encontros e oratórios improvisados no meio da guerra.
Esse período revelou a profundidade de sua vocação: onde outros viam morte, ele enxergava possibilidade de vida e reconstrução espiritual. Tal atitude antecipa aquilo que os padres conciliares, duas décadas depois, descreveriam como uma Igreja em saída e como fermento no mundo moderno.
A consagração: fidelidade na simplicidade
Liberto do serviço militar, Estêvão retomou sua formação e, em 8 de setembro de 1940, professou seus primeiros votos como irmão leigo salesiano. Dedicou-se então inteiramente ao ensino das artes gráficas e à evangelização dos jovens operários. Como São João Bosco, acreditava que a santidade se expressa no cotidiano — na sala de aula, na oficina, no refeitório e nas brincadeiras. Sua atuação na Juventude Operária Católica foi intensa, pois via ali o terreno fértil para formar não apenas trabalhadores, mas homens de fé e virtude.
Em 1946, professou seus votos perpétuos. No entanto, os ventos políticos da Hungria estavam mudando rapidamente. Com a ascensão do regime comunista em 1949, a prática religiosa passou a ser severamente controlada. Igrejas foram fechadas, padres presos e congregações dissolvidas. Os salesianos, por sua atuação juvenil e educativa, estavam entre os alvos principais.
A fidelidade clandestina: apostolado sob risco de morte
Mesmo sob o risco de detenção, Estêvão não cessou sua missão. Foi forçado a abandonar a tipografia, mas manteve seu trabalho com os jovens, agora na clandestinidade. Reuniões discretas, formação espiritual e apoio moral eram conduzidos em locais escondidos. Ele sabia que o risco era alto, mas sua consciência cristã não permitia omissões. Como afirmaria São João Paulo II na encíclica Veritatis Splendor, o martírio é o testemunho máximo da verdade moral.
Em julho de 1952, foi preso por agentes do regime. Não houve julgamento justo, nem direito de defesa. O silêncio em torno de seu paradeiro foi total até que documentos posteriores revelaram que fora enforcado no dia 8 de junho de 1953. Tinha apenas 38 anos. O seu corpo nunca foi restituído à família, e por muito tempo seu nome permaneceu entre os esquecidos, como tantos mártires do comunismo europeu
Reconhecimento e beatificação
Foi apenas décadas depois, com a queda do regime comunista e a reabilitação da memória cristã na Hungria, que o processo de beatificação pôde avançar. Em 19 de outubro de 2013, durante uma celebração solene, o Papa Francisco o proclamou beato, reconhecendo seu martírio “em ódio à fé”. Sua figura tornou-se símbolo da resistência cristã pacífica diante da ideologia totalitária e uma inspiração para todos os que trabalham na educação e na evangelização da juventude.
A atualidade de seu testemunho
Na Comunidade Canção Nova, e em toda a Família Salesiana, sua memória é honrada como exemplo de fidelidade alegre. O Beato Estêvão Sandór mostra que a santidade não é monopólio do altar ou do púlpito, mas pode florescer nas oficinas gráficas, nas ruas, nos subterrâneos das ditaduras — onde quer que haja um coração disposto a servir a Cristo até o fim.
Seu legado, especialmente em tempos nos quais a Igreja ainda enfrenta perseguições ideológicas e culturais, é uma lembrança eloquente de que o Evangelho continua sendo sinal de contradição. E que, como afirmou o Concílio Vaticano II em Lumen Gentium, “o martírio é a mais sublime prova de amor”.
Oração
“Meu amado Jesus, diante do testemunho do Beato Estêvão, eu quero pedir-Te a graça de dedicar-me inteira e alegremente ao Teu serviço, exercendo as funções necessárias sempre com o Teu nome nos lábios e o Teu amor nos atos. Não me deixes afastar do apostolado que o Senhor mesmo me confiou, que ele me seja instrumento de santificação e canal de salvação para os meus irmãos. Amém.”
Beato Estêvão Sandór, rogai por nós!