A história do cristianismo está profundamente entrelaçada com a dos mártires, homens e mulheres que, ao longo dos séculos, entregaram suas vidas como testemunho da fé. Alguns nomes, como São Sebastião e Santa Luzia, são amplamente conhecidos entre os católicos. Outros, como São Maximiliano Kolbe, emergem como símbolos de resistência espiritual nos tempos modernos.
Contudo, para além dessas figuras mais populares, há mártires cuja trajetória permanece desconhecida por muitos, especialmente fora de seus países de origem. Este texto busca lançar luz sobre dois desses heróis da fé: São Marcos Chong Ui-bae, catequista, e São Aleixo U Se-yong, seu catequizando. Ambos foram perseguidos e mortos na Coreia do século XIX, tornando-se pilares da Igreja naquela região.
A fé cristã na Coreia: um solo regado pelo sacrifício
A presença do cristianismo na Coreia não começou com missionários estrangeiros, como ocorreu em muitas partes da Ásia, mas com leigos que tiveram acesso a textos cristãos vindos da China. No final do século XVIII, estudiosos coreanos do confucionismo entraram em contato com escritos cristãos e começaram a formar pequenas comunidades de fé, mesmo sem sacerdotes para lhes ministrar os sacramentos.
O século XIX foi marcado por sucessivas ondas de perseguição contra os cristãos coreanos, devido à oposição da monarquia confucionista, que via a nova religião como uma ameaça à ordem social tradicional e ao culto aos ancestrais. Foi nesse contexto que surgiram os mártires coreanos, entre eles Marcus Chong Ui-bae e Aleixo U Se-yong.
Marcos Chong Ui-bae: da nobreza ao martírio
Marcos Chong Ui-bae nasceu em uma família nobre e pagã. Como muitos de sua classe social, recebeu uma educação esmerada e seguiu a carreira acadêmica. Casou-se, mas ficou viúvo ainda jovem. Sua trajetória de conversão começou ao testemunhar o martírio de dois sacerdotes católicos. Impressionado pela alegria e serenidade que mantiveram diante da tortura e da morte, decidiu conhecer mais sobre o cristianismo.
Depois de um período de estudo e discernimento, pediu o batismo e tornou-se um catequista dedicado. Junto de sua esposa cristã, adotou um estilo de vida austero, voltado para a caridade. Prestava auxílio a órfãos, doentes e perseguidos, chegando a ajudar cristãos a fugir do país para escapar da repressão. No entanto, decidiu permanecer, mesmo sabendo dos riscos que corria.
Aleixo U Se-yong: do erro ao arrependimento sincero
Foi nesse contexto que Marcos conheceu Aleixo U Se-young, um jovem de família rica enviado pelo bispo São Simeão Bernoux para ser catequizado. A resposta de Aleixo ao Evangelho foi rápida e profunda. Contudo, sua conversão trouxe uma dolorosa ruptura com a família, que rejeitou sua nova fé e o submeteu a ameaças e agressões.
Apesar da perseguição familiar, Aleixo permaneceu firme e, anos depois, tornou-se instrumento de conversão para vinte de seus parentes, que acabaram se tornando cristãos. Sua vida, no entanto, tomou um rumo inesperado durante a intensificação das perseguições.
Quando soube da prisão de Marcos Chong Ui-bae, Aleixo, tomado pelo medo, cometeu o erro de renunciar publicamente à fé e até mesmo participou do linchamento de um catequista. Como São Pedro após negar a Cristo, foi consumido pelo arrependimento e decidiu buscar o perdão. Visitou o bispo na prisão, confessou seus pecados e foi readmitido na Igreja. Pouco depois, foi capturado e, dessa vez, permaneceu inabalável.
A perseguição e a fidelidade até a morte
O governo coreano intensificava seus esforços para erradicar o cristianismo. Como catequista respeitado, Marcus Chong Ui-bae foi um alvo prioritário. Preso e torturado, recusou-se a denunciar outros cristãos, fornecendo apenas nomes de fieis que já haviam morrido, um gesto de amor e fidelidade à sua comunidade.
Por sua vez, Aleixo U Se-yong, agora restaurado na fé, foi responsável por traduzir o Catecismo e outros textos católicos para o coreano, permitindo que a doutrina fosse acessível a mais pessoas. Sua atuação, contudo, não passou despercebida pelas autoridades, e ele também foi sentenciado à morte.
No dia 11 de março de 1866, aos 70 anos, Marcos e, aos 19, Aleixo foram decapitados por seus próprios parentes, seguindo uma tradição segundo a qual a família deveria eliminar aqueles que desonraram os costumes ancestrais. Seus corpos foram descartados sem honra, mas suas almas entraram para a glória dos mártires.
O legado dos mártires coreanos
A Igreja Católica reconheceu a santidade desses homens que enfrentaram a morte por amor a Cristo. Em 1968, foram beatificados pelo Papa Paulo VI e, em 1984, canonizados pelo Papa João Paulo II junto a outros 93 mártires coreanos e 10 missionários franceses.
A Coreia testemunhou cerca de 10 mil martírios no primeiro século do cristianismo no país. Em 2014, o Papa Francisco beatificou outros 124 mártires coreanos, reforçando a força desse legado.
Hoje, o catolicismo na Coreia do Sul é uma das religiões que mais crescem. Em 1999, os católicos representavam 8,3% da população, número que subiu para 11,1% em 2018, totalizando 5,8 milhões de fiéis, segundo o Catholic Pastoral Institute of Korea.
Uma lição de fidelidade e esperança
O que aprendemos com São Marcos Chong Ui-bae e São Aleixo U Se-yong? A primeira lição é a fidelidade inquebrantável ao Evangelho, mesmo diante da perseguição e do sofrimento. Também nos ensinam que o arrependimento é sempre possível e que Deus acolhe de volta aqueles que, por fraqueza, O negaram.
Além disso, esses santos lembram que a fé não pode ser condicionada ao reconhecimento social ou à aceitação dos mais próximos. Como Cristo nos ensinou, seguir a verdade pode significar enfrentar oposição até mesmo dentro de casa.
Que o testemunho desses mártires inspire os cristãos a permanecerem firmes na fé, especialmente diante dos desafios modernos.
“Senhor Jesus, que o testemunho de São Marcos Chong Ui-bae e São Aleixo U Se-yong inspire em nós uma fé inabalável e um amor profundo por Ti. Que sua coragem nos ajude a testemunhar o Evangelho em nossa vida diária, independentemente das dificuldades. Amém.”
Santos Marcus Chong Ui-bae e Aleixo U Se-yong, rogai por nós!