Santo do Dia

Santa Senhorinha de Basto: fé, milagres e legado monástico

A história de Santa Senhorinha de Basto, abadessa beneditina, exemplo de , milagres e devoção popular no coração espiritual de Portugal.

Na longa tapeçaria da história cristã portuguesa, poucas figuras femininas se destacam tanto quanto Santa Senhorinha de Basto, uma mulher de fé profunda, força interior e influência espiritual duradoura. Abadessa beneditina do século X, Senhorinha não apenas guiou comunidades religiosas com sabedoria, mas também se tornou símbolo de santidade popular, marcada por relatos de milagres, devoção popular contínua e uma espiritualidade enraizada na tradição de São Bento.

Origem nobre e vocação precoce

Nascida com o nome Domitilla Ufes, Santa Senhorinha veio ao mundo em uma família da nobreza lusitana. 

Era filha de D. Ufo Ufes, conde respeitado, e da condessa D. Teresa Soares, ambos pertencentes à elite da região norte de Portugal. Após a morte precoce da mãe, seu pai, tomado por profunda ternura, passou a chamá-la de “Senhorinha”, diminutivo afetivo de “senhora”, evidenciando desde cedo a estima e o reconhecimento por sua personalidade serena e respeitável.

Apesar das expectativas sociais que recaem sobre os jovens de sua posição — especialmente o casamento com outro nobre como forma de consolidar alianças — Senhorinha demonstrou desde cedo uma vocação para a vida religiosa

Recusou um pretendente de destaque, demonstrando coragem e clareza de propósito. 

Aos quinze anos de idade, optou por seguir o caminho monástico, sob a orientação da tia materna, D. Godinha, abadessa do Mosteiro de São João de Vieira do Minho.

O mosteiro como caminho de santidade

Inserida na Ordem de São Bento, que marcava profundamente o monaquismo ocidental com seus valores de ora et labora (oração e trabalho), Senhorinha trilhou um caminho de humildade e serviço. 

Ao professar seus votos, adotou o nome de Irmã Senhorinha, integrando-se plenamente à vida comunitária regida pela Regra de São Bento.

Com o passar dos anos, não apenas se destacou por sua disciplina e zelo espiritual, mas também por sua liderança natural. 

Aos 36 anos, após a morte de sua tia, assumiu o posto de abadessa do mosteiro. Esse papel exigia mais do que piedade pessoal: implicava administração, ensino, resolução de conflitos internos e orientação espiritual das monjas sob seus cuidados.

Com a mudança do mosteiro para São Jorge de Basto, a nova localização acabou sendo incorporada ao nome da santa — Santa Senhorinha de Basto — e fortaleceu ainda mais sua conexão com aquela região, hoje marcada por devoção centenária.

Espiritualidade beneditina encarnada na vida cotidiana

A figura de Santa Senhorinha encarna os princípios fundamentais da espiritualidade beneditina: equilíbrio entre contemplação e ação, simplicidade, hospitalidade e fidelidade à comunidade. Relatos históricos e hagiográficos descrevem-na como mulher de oração constante, conselheira atenta e presença acolhedora para quem buscava consolo ou direção espiritual.

É nesse sentido que sua vida espelha o ideal monástico de São Bento. Ao contrário de modelos ascéticos excessivos ou espiritualidades desligadas do mundo, a regra beneditina propõe uma vida profundamente humana e integrada à realidade. E Senhorinha viveu isso com intensidade: seu mosteiro era não apenas um centro de oração, mas também de cultura, acolhida e serviço aos pobres.

A morte e a entrada na memória dos santos

Santa Senhorinha faleceu em 22 de abril de 982, com cerca de 58 anos de idade, e foi sepultada na igreja do mosteiro, ao lado dos túmulos da própria tia, Santa Godinha, e de seu irmão, São Gervásio. Sua fama de santidade, no entanto, já se espalhava muito antes de sua morte.

Em 1130, o culto à sua memória foi reconhecido oficialmente pela Igreja Católica, com sua canonização. Esse processo, ainda no período medieval, era muitas vezes impulsionado pela devoção popular, sinais de milagres e o prestígio local de figuras veneradas por suas virtudes.

Milagres e devoção popular

A figura de Santa Senhorinha é envolta em uma rica tradição de milagres. Entre os mais célebres, relata-se que, durante o levantamento de seu túmulo por um bispo local, um homem cego teria recuperado a visão — sinal claro, para os fiéis da época, de sua intercessão divina.

Outros milagres atribuídos a ela incluem a transformação de água em vinho, a multiplicação de farinha em tempos de escassez, e o acalmar de tempestades, sempre associados à proteção dos mais humildes e à confiança daqueles que recorriam à sua intercessão.

Especialmente conhecida é a Fonte de Santa Senhorinha, localizada na igreja que leva seu nome. Essa fonte, até hoje, é visitada por peregrinos e devotos, muitos dos quais afirmam receber graças por sua água. O local é envolto em uma atmosfera de fé simples e sincera, ecoando os valores da própria santa.

A igreja e a continuidade do culto

A Igreja de Santa Senhorinha de Basto, situada no norte de Portugal, é uma das mais antigas da arquidiocese de Braga. Ao longo dos séculos, tornou-se centro de devoção regional, com celebrações anuais que misturam tradição, fé e cultura popular.

Durante as festas em sua honra, é possível testemunhar a vitalidade da religiosidade popular portuguesa, marcada por procissões, missas solenes e práticas devocionais. A figura da santa permanece viva não apenas nos rituais litúrgicos, mas também nos nomes de batismo, nos votos pessoais e nas promessas feitas diante de sua imagem.

Uma santa do cotidiano

O apelo de Santa Senhorinha reside precisamente em sua proximidade com o povo. Ela não foi mártir, nem viveu em clausura radical, mas sim integrou a vida monástica com sabedoria e doçura. Sua santidade não foi marcada por gestos espetaculares, mas pela fidelidade no dia a dia — uma lição preciosa em tempos em que o heroísmo parece reservado apenas ao extraordinário.

Sua oração, ainda hoje repetida por muitos devotos, traduz esse espírito:

“Santa Senhorinha, tu que te fizeste pequena e fiel às obrigações próprias da ordem religiosa, faz-me ser fiel, pequena e obediente aos ensinamentos de Jesus…”

Assim, sua vida se torna espelho para todos aqueles que buscam viver o Evangelho nos pequenos gestos, nas escolhas diárias e nas situações simples da existência.

Referências bibliográficas

  • ALMEIDA, Fortunato de. História da Igreja em Portugal. Porto: Livraria Civilização, 1922.
  • MARTINS, Ana. A mulher na espiritualidade medieval ibérica. Lisboa: Editorial A. M. Pereira, 2004.
  • BENTO, Norberto. Santos Portugueses e Suas Lendas. Braga: Paulinas Editora, 2001.
  • REGRA DE SÃO BENTO. Tradução e comentário de Basílio de Magno. São Paulo: Loyola, 2011.

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