Na tradição bíblica e patrística, o azeite sempre ocupou um lugar de destaque — símbolo de consagração, luz e cura. No Antigo Testamento, era o produto mais nobre da oliveira que era reservado para os fins mais sagrados. O primeiro azeite, aquele que escorria da pedra pesada da prensa, era destinado à unção de reis, profetas e sacerdotes. Era também com esse azeite que se mantinham acesas as lâmpadas do santuário, “continuamente diante do Senhor” (Lv. 24,2).
Essa imagem da prensa e do azeite, tão rica em simbolismo, nos oferece uma chave de leitura para compreender a vida daqueles homens e mulheres que, ao longo da história da Igreja, se deixaram moer pelas dificuldades da vida, até se tornarem fragrância pura diante de Deus. Entre esses “azeites nobres”, destaca-se São João de Ávila, cuja memória litúrgica é celebrada no dia 10 de maio.
A forja da graça na vida da Igreja
Assim como o azeite puro emerge da pressão mais intensa, também a santidade cristã, muitas vezes, nasce das provações mais agudas. A Igreja é rica de exemplos de homens e mulheres que, mesmo diante da adversidade, permitiram que a graça de Deus moldasse suas vidas. Essas almas não apenas suportaram as tribulações: transformaram-nas em caminho de fecundidade espiritual. São João de Ávila é um destes exemplos paradigmáticos, reconhecido como Doutor da Igreja pelo Papa Bento XVI em outubro de 2012, graças à profundidade de sua teologia espiritual e à intensidade de sua vida evangélica.
Juventude e vocação: o início da prensa
João de Ávila nasceu em 6 de janeiro de 1499, em Almodóvar Del Campo, na região de Castilla-La Mancha, Espanha. Ainda jovem, começou os estudos em Direito na Universidade de Salamanca, mas foi tomado por uma experiência de conversão tão intensa que abandonou os estudos, vendeu seus bens e regressou à casa dos pais. Com 27 anos, foi ordenado sacerdote em 1526.
Movido por um ardente zelo missionário, desejava ir às Índias Ocidentais, como eram então chamadas as Américas. Mas a Providência divina lhe reservava outro caminho: o de missionário itinerante em sua própria terra, a Espanha. Era o início das prensas da vida.
Provação e fecundidade espiritual
A primeira grande adversidade veio poucos anos após sua ordenação. Em 1531, foi injustamente acusado de heresia por causa de uma pregação mal compreendida e acabou preso pela Inquisição. Durante os dois anos em que permaneceu no cárcere de Sevilha, começou a escrever uma de suas obras mais conhecidas: Audi, filia — um tratado espiritual de profundo lirismo e teologia mística.
Segundo Bento XVI, foi nesse tempo de privação, sofrimento e silêncio que João recebeu “a graça de penetrar com profundidade singular no mistério do amor de Deus e no grande benefício feito à humanidade pelo Redentor Jesus Cristo”. De fato, como tantos outros santos, São João de Ávila experimentou que a prisão pode ser, paradoxalmente, o espaço de maior liberdade espiritual.
O pregador incansável da Reforma Católica
Após ser absolvido, retomou sua missão com renovado fervor. Percorreu diversas cidades da Espanha pregando missões populares, catequizando, atendendo confissões e formando comunidades cristãs. Tinha uma sensibilidade aguda para os desafios pastorais de seu tempo: a onda do humanismo renascentista, a Reforma Protestante e a crise interna da Igreja o impulsionavam a pregar com coragem e profundidade.
Seu ministério era intensamente centrado na reconciliação: passava longas horas no confessionário, movido por um amor pastoral que não se contentava com a superficialidade. Seu objetivo era formar consciências iluminadas pela verdade do Evangelho, não apenas transmitir doutrinas.
Formador de almas e mestre espiritual
A paixão pela formação o levou a dedicar especial atenção à educação dos jovens e ao preparo dos futuros sacerdotes. Fundou colégios menores e maiores, alguns dos quais se tornaram, após o Concílio de Trento, verdadeiros seminários. Contribuiu ainda com a fundação da Universidade de Baeza, e chegou a propor, com ousadia profética, a criação de um tribunal internacional de arbitragem para evitar guerras — antecipando ideias que só seriam retomadas séculos depois.
Entre suas obras principais, além de Audi, filia, encontram-se o Catecismo ou Doutrina Cristã, o Tratado do Amor de Deus, o Tratado sobre o Sacerdócio, diversos Sermões e Homilias, e comentários bíblicos das epístolas paulinas e joaninas.
Frutos espirituais e legado
São João de Ávila exerceu influência direta sobre diversos santos. Foi responsável pela conversão de São João de Deus e São Francisco de Borja. No seu processo de beatificação, testemunhas afirmaram que “nunca pregou um sermão sem que várias almas se convertessem a Deus”. Sua pregação não era apenas fruto de eloquência, mas de oração intensa. Dizia ele mesmo que “o pregador vale mais pela oração do que pela ciência”.
Paulo VI, que o canonizou em 1970, afirmou que João era “uma cópia fiel de São Paulo”. Sua espiritualidade era profundamente cristocêntrica e eclesial, marcada por um amor apaixonado por Jesus Cristo e pela Igreja.
Entre santos amigos
Foi contemporâneo e amigo de figuras imensas da espiritualidade: Inácio de Loyola, Teresa d’Ávila, João da Cruz, Pedro de Alcântara. Essa rede de amizades santas foi, sem dúvida, um fator decisivo para sua fecundidade. Como ele mesmo escreveu em uma de suas cartas: “Um grande Amigo, que é Deus, o qual arrebata os nossos corações para o seu amor, pede-nos que tenhamos muitos outros amigos, que são os seus santos” (Carta 222).
Desejou tornar-se jesuíta, mas sua saúde debilitada impediu essa decisão. Passou os últimos 16 anos de sua vida doente, quase cego, vivendo em Montilla, onde morreu no dia 10 de maio de 1569, com 79 anos.
Oração final
Senhor Jesus, concede-nos a graça de viver as prensas da vida como São João de Ávila, certos de que, se amarmos profundamente a cruz, dela brotará o mais puro azeite da Tua unção. Que aprendamos com ele que a cruz não é um fardo, mas um altar; que a vida cristã, quando vivida em profundidade, gera frutos imperecíveis.
São João de Ávila, rogai por nós!