No coração do século XIV, uma Itália marcada por tensões sociais, pestes devastadoras e divisões políticas profundas via emergir uma das figuras mais emblemáticas da espiritualidade franciscana: São Bernardino de Sena. Nascido em 1380, na cidade de Massa Marittima, na Toscana, Bernardino degli Albizzeschi cresceu em meio a dores precoces e à esperança de uma fé transmitida com ternura.
Perdeu a mãe aos três anos de idade e, aos sete, foi órfão também de pai. Criado por tias profundamente religiosas, desde cedo recebeu uma sólida educação na fé cristã, especialmente centrada na devoção à Virgem Maria e a Jesus Cristo. Essa educação doméstica, marcada mais pela vivência do que pela teoria, germinaria em um coração que mais tarde incendiaria multidões com a Palavra de Deus.
Formação e decisão vocacional
Bernardino estudou na célebre Universidade de Sena, onde mergulhou nas disciplinas eclesiásticas e humanísticas que compunham a formação intelectual de um jovem da época. No entanto, sua inquietação espiritual o impelia a algo mais radical. Com apenas 22 anos, tomou uma decisão que selaria seu destino: renunciou a uma possível carreira secular e ingressou na Ordem dos Frades Menores, fundada por São Francisco de Assis.
Dentro da ordem, Bernardino aderiu com entusiasmo ao movimento da Observância Franciscana, um grupo reformista que buscava um retorno à vivência radical da pobreza, simplicidade e penitência, como originalmente proposto por São Francisco. Rapidamente destacou-se por seu zelo e virtude, sendo designado como responsável pelos conventos que seguiam essa corrente observante. Seu idealismo era temperado por uma administração prudente, e sua liderança era respeitada tanto entre os frades quanto entre os fiéis.
O poder da palavra: o pregador da Itália
São Bernardino tornou-se amplamente conhecido por sua impressionante habilidade de comunicar o Evangelho de maneira acessível, direta e apaixonada. Em um contexto de crise — social, política e religiosa — suas pregações emergiam como bálsamo e provocação. A Itália do século XV estava esfacelada por guerras entre cidades-estados, por rivalidades partidárias como as dos guelfos e gibelinos, e pelas recorrentes epidemias que desolavam a população.
Neste cenário conturbado, São Bernardino pregava a caridade, a concórdia, o arrependimento e a justiça, indo além dos discursos moralistas. Ele tocava as feridas abertas da sociedade italiana com ternura evangélica e coragem profética. Sua linguagem, simples e cheia de imagens vivas, alcançava tanto os humildes quanto os poderosos. Muitos se converteram após ouvir suas exortações. Em várias cidades, suas pregações atraíam milhares de ouvintes ao ar livre — um verdadeiro fenômeno de comunicação religiosa em uma era sem microfones ou redes sociais.
O símbolo que se tornou legado
Entre os elementos mais marcantes da sua atuação estava o uso do monograma “IHS”, uma representação do Nome de Jesus — “Iesus Hominum Salvator” (Jesus, Salvador dos Homens). São Bernardino não apenas utilizava esse símbolo como instrumento catequético, mas também recomendava aos fiéis que o expusessem em suas casas, praças e locais públicos. Em tempos de incerteza, o Nome de Jesus deveria ser um sinal de esperança e salvação.
Esse gesto simbólico tinha uma profundidade teológica. Em suas palavras: “O nome de Jesus é a luz dos pregadores, porque ilumina, com o seu esplendor, os que anunciam e os que ouvem a Sua Palavra.” (Sermão de São Bernardino). A teologia do Nome de Jesus, que ele promovia, não era mero devocionismo, mas expressão de uma fé que deseja impactar o mundo concreto, transformando o coração das pessoas.
O “publicitário de Deus”
De maneira notável para sua época, São Bernardino contava com um taquígrafo que registrava seus sermões. Graças a esse recurso, muitas de suas pregações foram conservadas e publicadas, influenciando gerações subsequentes. Ele se torna, assim, não apenas um pregador de multidões, mas um precursor da comunicação religiosa moderna — razão pela qual foi posteriormente proclamado padroeiro dos publicitários e profissionais da comunicação.
A clareza, o estilo vívido e o conteúdo profundo de seus sermões ilustram como São Bernardino compreendia a importância da forma na transmissão da fé. Ele sabia que o conteúdo do Evangelho não bastava: era necessário tocá-lo com a beleza da palavra, da imagem e do símbolo.
Um frade devoto e penitente
Apesar da popularidade, São Bernardino permaneceu fiel ao ideal franciscano de pobreza e penitência. Sua força vinha da Eucaristia, centro de sua vida espiritual, e da inspiração constante do Espírito Santo. Nutria uma devoção profunda à Virgem Maria, que considerava não apenas modelo de fé, mas presença ativa no processo de evangelização.
Em sua espiritualidade, unia contemplação e ação. Orava longamente antes das pregações e vivia intensamente cada gesto pastoral. Não era um ativista religioso, mas um homem de oração em missão. A mística que o movia dava sentido a cada palavra que dizia e a cada passo que dava.
Morte e canonização
Após décadas de missão incansável, São Bernardino adoeceu e morreu em 20 de maio de 1444, na cidade de Áquila, onde hoje repousa seu corpo, na igreja dos Franciscanos. Seis anos depois, em 1450, foi canonizado pelo Papa Nicolau V, em um processo rápido que refletia sua imensa popularidade e o impacto de sua obra.
Até hoje, seu legado permanece vivo, especialmente entre aqueles que anunciam a Palavra de Deus, entre os que comunicam a fé com criatividade e ardor, e entre os que buscam no Nome de Jesus uma fonte inesgotável de luz e salvação.