A vida de São Justino, cuja memória litúrgica celebramos no dia 1º de junho, é um testemunho eloquente da busca incansável pela verdade — uma busca que não se contenta com abstrações, mas que encontra sua plenitude na Pessoa de Jesus Cristo. Nascido no início do século II, na antiga cidade de Siquém, na Palestina, Justino provinha de uma família pagã, alheia ao cristianismo que, então, ainda era um caminho novo, frequentemente incompreendido e hostilizado.
Ao refletirmos sobre sua trajetória, é inevitável não percebermos a força que a sede de sentido pode exercer sobre a alma humana. Em Justino, essa sede o conduziu primeiramente à filosofia — considerada à época como o cume do saber humano. Passando pelas principais escolas de pensamento de seu tempo, foi na tradição platônica que ele encontrou ressonância mais profunda. O ideal do mundo das ideias, o anseio pela verdade eterna, a valorização da alma sobre o corpo — todos esses elementos o prepararam, inconscientemente, para o encontro com o Verbo feito carne.
Retirando-se para um ermo, Justino dedicou-se intensamente à meditação filosófica. Foi nesse contexto que se deu um encontro que mudaria sua vida para sempre. Um ancião desconhecido, com humildade e sabedoria, propôs-lhe um horizonte até então inexplorado: falou-lhe dos profetas, da história da salvação, da encarnação de Deus em Jesus de Nazaré. “Eleva tua alma em profunda oração ao céu”, disse o velho, “para que se abram as portas do Santuário da verdade e da vida”.
Essa frase não foi apenas um conselho piedoso. Foi a chave que abriu o coração de Justino para algo que o próprio Platão jamais teria ousado imaginar: que a verdade não era uma ideia abstrata, mas uma Pessoa viva, que ama e se revela. Por volta do ano 130, Justino recebeu o batismo em Éfeso. A filosofia grega foi, então, transformada em ancilla theologiae — serva da teologia.
A conversão de Justino, no entanto, não significou o abandono da razão, mas a sua transfiguração. Ele compreendeu que o Logos, a razão universal procurada pelos gregos, havia se encarnado em Jesus Cristo. Em suas próprias palavras: “Tudo quanto de belo e verdadeiro disseram os filósofos antigos, nos pertence. Porque Cristo é o Logos inteiro, e aqueles que viveram segundo a razão participaram, mesmo sem saber, do Verbo divino”.
Justino tornou-se um apologista — um defensor da fé. Sua missão consistiu em mostrar que o cristianismo não era uma superstição vulgar, mas a consumação das aspirações mais elevadas da alma humana. Ele escreveu duas Apologias e o Diálogo com Trifão, obras fundamentais da Patrística, nas quais rebate as acusações infundadas contra os cristãos, apresenta a moral evangélica e descreve, com notável detalhe, a liturgia eucarística dos primeiros séculos.
Em suas Apologias, Justino testemunha como os cristãos viviam numa tensão criativa com o mundo: “Vivem na carne, mas não segundo a carne; estão no mundo, mas não são do mundo; perseguidos, amam a todos; morrem e, pela morte, vivem”. Seu discurso é uma defesa racional da fé, mas também uma proclamação apaixonada da beleza da vida cristã.
Justino foi também um dos primeiros pensadores a apresentar o martírio como suprema imitação de Cristo. Para ele, o testemunho até o sangue não era derrota, mas vitória da verdade sobre a mentira, da luz sobre as trevas. Em um tempo no qual a Igreja ainda caminhava nas sombras do Império, ele se ergueu como uma voz clara, mostrando que o cristianismo não era uma ameaça à ordem, mas o fermento de uma nova humanidade.
Por seu testemunho ousado, Justino foi denunciado às autoridades romanas. Diante do tribunal, não vacilou. Quando lhe perguntaram se acreditava que entraria no céu, respondeu com serena firmeza: “Não só o creio — sei-o, e disto tenho tanta certeza, que não me cabe a menor dúvida”. À ameaça de flagelação e morte, replicou: “Um homem de bem não abandona a fé para abraçar o erro e a impiedade”.
Foi condenado à flagelação e, em seguida, decapitado, por volta do ano 167, durante o reinado do imperador Marco Aurélio. Morreu como viveu: com coerência. A mesma coerência que buscou na filosofia, encontrou na cruz de Cristo.
Justino ocupa lugar de honra entre os Padres da Igreja. Embora não tenha conhecido os Apóstolos, suas obras são consideradas eco fiel da Tradição apostólica. Ao lado de Irineu de Lião e de Clemente de Alexandria, representa uma geração de pensadores cristãos que soube dialogar com o mundo sem trair a fé, e que levou a razão humana ao seu cume: o encontro com o Verbo eterno.
É impossível falar de São Justino sem pensar no desafio contemporâneo da evangelização em um mundo cada vez mais plural e secularizado. Sua vida nos convida a cultivar uma fé que pense, uma razão que adore, uma espiritualidade que se encarne no cotidiano. Como recorda o Concílio Vaticano II em Gaudium et Spes, a fé não é alheia às alegrias e angústias do mundo moderno. Justino viveu isso com lucidez impressionante.
Seu testemunho, mais atual do que nunca, é um convite para todos nós: que sejamos cristãos pensantes, capazes de dar razão de nossa esperança (1Pd 3,15), com doçura e respeito, sem jamais esconder a cruz que nos salva.
Oração final
Senhor Jesus Cristo, que conduziste São Justino da filosofia humana à sabedoria divina, concede-me também a graça de Te buscar com todo o meu entendimento. Dá-me a coragem de testemunhar-Te com a vida, mesmo nas adversidades. Que eu, como Justino, não tenha medo de proclamar-Te diante dos homens. Ensina-me a viver de forma coerente com a fé que professo. E, na hora da provação, sustenta-me com Tua força. São Justino, rogai por nós!